terça-feira, 2 de outubro de 2007

Chinelos para o descanso

Um disparo contra seu ouvido e Ágrama se mantém imóvel com aquele disparo entrando na sua cabeça. O seu cérebro automaticamente respondeu: Ivan. Mas sua massa encefálica não lhe deu um relatório de como ele foi parar do seu lado, na sua cama e possivelmente despido. Galerias fechadas e Ágrama não faz a menor idéia onde escondeu a chave que abririam suas memórias recentes. Devem ter se perdido juntamente com sua sobriedade, concluiu ela.

-Ótima noite, não achou?

-Foi bem legal, respondeu Ágrama(Porra! Como isso foi rolar?).

Como uma boa anfitriã, foi preparar seu combustível para as manhãs, tarde ou qualquer horário que esta mulher estivesse precisando de um pouco de racionalidade. Água quente, pó e era só esperar para que aquele aroma tomasse conta daquele pequeno apartamento. Enquanto preparava a bebida quente ensinada pela vovó, o som do café atraiu Ivan até a cozinha, até que entre o preparo e o despejo da cafeína na xícara, um silêncio tomou conta daquele espaço. Ágrama não queria falar, não poderia ou não saberia e Ivan não queria, não saberia e só a olharia.

Um silênio se mistura com a fumaça do cigarro e só se ouve o som do café...

Ágrama gostaria que aquele preparo demorasse horas para não se virar para trás e Ivan poderia ficar olhando aquela menina/mulher durante sua eternidade. Mas a eficiência da cafeteria era um artefato do mundo do trabalho, do mundo do relégio marcador de segundos, minutos e...já estava pronto e devidamente despejado na xícara. Uma cara vendida ela mostrava para seu mais recente companheiro de alcova e o rapaz respeitava seu silêncio (talvez até não quisesse falar).
Após o café e alguns cigarros consumidos Ivan fez um elogio sincero sobre o café e seu apartamento, mas é claro que esses adjetivos sempre soam como diplomáticos.

-Você quer tomar um banho? Pergunta Ágrama.

-Obrigado, mas pode ir primeiro.

Durante o seu banho, Ágrama pouco se mexia fazendo daquele hábito algo mecânico, mas um pouco demorado. Durante alguns momentos estava fora do mundo se esforçando pra lembrar o que teria ocorrido na noite anterior, mas ao tentar estabelecer uma linha de pensamento tomou um susto e essa linha foi partida por Ivan que colocou mão sobre seus ombros dentro do chuveiro. Um temor repentino a envolveu e só conseguiu disparar com uma voz trêmula e fina e frase:

-O que está fazendo aqui?

-Não fique com medo, uma voz doce e segura sai pelos lábios de Ivan.

Normalmente, Ágrama pronunciaria todo seu vocabulário do seu Grande Dicionário de Palavras de Baixo Calão, mas sem saber o porque ficou em silêncio. A sensação que teve foi de uma certa segurança, um afeto que ela nem se lembrava mais, tão esquecido quanto as lembranças da noite anterior. Ela se deixa levar e seu banho é cuidadosamente terminado por Ivan.
Corpos limpos e ele se despede dela agradecendo a hospitalidade. Um beijo carinhoso no seu ombro e Ágrama poderia ficar sozinha.
A tentativa de falar com Isabel, se torna uma obsseção e quando ouve a voz da amiga, fala de maneira compulsiva:

-Isabel, o que ocorreu ontem?

-Você sumiu, quando tentei de procurar você já tinha ido embora. Me disserem que o Ivan te levou de táxi pra sua casa porque ele estava meio de pileque.

-Acordei do lado dele, não sei o que rolou durante a noite e agora estou um pouco assustada. Puta que pariu...só me meto em porcaria.

-Relaxa, não deve ter rolado nada. Apesar de certa hostilidade sua em relação ao Ivan, ele é muito certinho pra fazer algo sem que você topasse.

-Será que topei?

-A, sei lá porra. Eu não tava aí pra ver. Até que seria interessante...

-Não fode, responde Ágrama.

-Toma um remédio, deita e vamos sair hoje. Avisa Isabel como se fosse uma receita pós ressaca de forma ditatorial.

-Não devo sair hoje, vou visitar meus pais.

Sem alguma pista da noite anterior, Ágrama olha debilmente o computador e percebe que seu celuar contém uma mensagem. Estavam ali gravadas algumas palavras fofas e leves de Ivan, mas para ela, pareciam pedras caindo sobre sua cabeça. Rapidamente se desliga de sua "vida virtual", deixa o seu celular em qualquer lugar para não ser lembrado e tranca sua porta vai até o ponto de ônibus para chegar a casa dos seus criadores.

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